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Entomologia Forense: Insetos e outros artrópodes e o sistema judicial.

Editoria: Vininha F. Carvalho 06/08/2008

A Entomologia constitui um campo amplo e diversificado de pesquisas que incluem os artrópodes que interagem com diversos aspectos da vida e atividades humanas e produtos derivados delas como alimentos, habitações e construções, saúde e meio ambiente. Entre as divisões da Entomologia é na Entomologia Forense que ocorre a interação entre a artropodologia e o sistema judicial. Pode-se dizer que a Entomologia Forense é a ciência que aplica o estudo dos insetos e outros artrópodes a procedimentos legais. É dividida em três áreas principais focadas em temas que freqüentemente são alvos de litígios.

A Entomologia Urbana concentra, principalmente, as controvérsias relacionadas a cupins, baratas e outros grupos de insetos que ocorrem em ambientes criados pelo ser humano. Ações públicas ou particulares por incômodos e prejuízos envolvendo insetos como, por exemplo, moscas provenientes de currais e outros locais de criação de animais domésticos são alvos desta parte da Entomologia Forense.

São bastante comuns processos judiciais devidos a incômodos causados por insetos oriundos de projetos agropecuários tais como recintos de confinamento para engorda de bovinos e granjas de aves e suínos. Também casos de danos e controle ineficiente de cupins e outras pragas estruturais costumam ser numerosos.

Entretanto, outros litígios não são facilmente percebidos pelos leigos como parte da Entomologia Urbana. Pacientes em hospitais ou sob cuidados de enfermeiros em casa ocasionalmente podem sofrer infestação por larvas de mosca, chamada de miíase, e geralmente resulta em ações por negligência. Ações por negligência contra necrotérios também ocorrem por ataque de larvas de moscas em cadáveres.

Na área da Entomologia de Produtos Armazenados e Alimentos as disputas ocorrem por infestação de artrópodes ou partes destes em alimentos e outros produtos armazenados. Restos de insetos em cereais matinais, lagartas em vegetais enlatados, larvas de mosca em sanduíches são exemplos de casos comuns na área de produtos armazenados. Ocasionalmente consumidores tentam fraudar restaurantes e empresas "plantando" insetos ou partes de insetos em produtos adquiridos previamente. A resolução destes casos requer parecer do entomologista forense.

A Entomologia Médico-Legal ou Médico-Forense é mais comumente conhecida como Entomologia Médico-Criminal devido à ênfase que é dada a utilidade dos artrópodes na solução de crimes que freqüentemente envolvem violência. Aborda elementos que envolvem morte de humanos como os processos de decomposição dos cadáveres, busca de evidências a serem utilizadas durante julgamento de suspeitos, dirimindo dúvidas, etc. Pode também ser empregada na resolução de casos de morte de não humanos como gado e espécies protegidas.

A associação desta abordagem ampla com a imparcialidade das ciências biológicas faz com que a Entomologia Médico-Legal confira suporte para atividades de amplo espectro de indivíduos que incluem criminalistas, detetives, advogados, promotores, professores e estudantes universitários.

A divulgação e emprego de métodos da Entomologia Médico-Legal no âmbito policial nacional são quase inexistentes e em razão disso, dados importantes são ignorados e, conseqüentemente, informações valiosas são perdidas. Pode-se dizer que, atualmente, a perícia médico-legal se baseia, quase exclusivamente, na observação atenta das alterações macroscópicas que se sucedem na decomposição dos corpos, sujeitas a inúmeras causas de variação, umas acelerando sua sucessão e outras retardando.

Embora a Entomologia Médico-Criminal possa abordar casos envolvendo violência ou homicídio deliberado com o uso de insetos (por exemplo, anafilaxia por ferroada de abelhas), ou acidentes de trânsito (por exemplo, desatenção ao dirigir causada pela tentativa de se evadir de uma vespa dentro de automóvel), as questões típicas abordadas por esta área envolvem a estimativa do tempo de morte (intervalo post mortem ou IPM) e menos freqüentemente a determinação do local (situs) da morte.

Em casos de maus tratos a crianças é possível precisar o número de dias, durante os quais, o bebê foi privado de cuidados de higiene baseando-se na determinação da idade das larvas de moscas achadas nos cueiros e camas.

Em relação a entorpecentes é possível, por exemplo, determinar a origem de pacotes de maconha com base na identificação dos insetos que ficaram retidos no momento da prensagem e traçar a rota do tráfico através da distribuição geográfica dos mesmos.

Devido à associação dos dípteros, importantes para a saúde humana e animal, e a ecologia da decomposição, a área da Entomologia Médico-Criminal já é reconhecida como uma especialidade dentro da Entomologia Médica. A Entomologia Médica por sua vez é parte Medicina Preventiva e em sua forma mais ampla envolve o estudo de mosquitos, carrapatos e ácaros ou qualquer outra espécie de artrópode que possa causar danos a saúde humana ou animal, diretamente ou como vetora de organismos patogênicos. Assim, a Entomologia Médica é uma ciência biomédica.

Entomologistas médicos juntamente com médicos e veterinários em diversos campos incluindo doenças infecciosas, patologia e dermatologia, têm contribuído ao elucidar as várias formas com que insetos e outros artrópodes impactam a saúde humana e animal.

Aplicações da Entomologia Forense nos casos de morte violenta

1. Local da morte. Baseado na distribuição geográfica, hábitat natural e biologia das espécies coletadas na cena da morte, é possível verificar o local onde a morte ocorreu. Por exemplo, certas moscas da família Calliphoridae são encontradas em centros urbanos e a associação destas aos corpos encontrados na zona rural sugere que a vítima foi morta no ponto onde foi encontrada.

Da mesma forma informações sobre outras que espécies de moscas que apresentam habitat específico, preferência distinta em realizar postura em ambientes internos ou externos, ou em diferentes condições de sombra e luz podem dar indicações do local da morte.

2. Modo da morte. Drogas e tóxicos presentes nos corpos afetam a velocidade do desenvolvimento de insetos necrófagos. Cocaína, heroína, metanfetamina, amitriptilina e outras substâncias químicas têm mostrado efeitos no desenvolvimento das larvas e na decomposição e podem indicar morte por ingestão de dose letal.

Pela voracidade das larvas, os fluidos do corpo e partes moles necessárias para as análises toxicológicas desaparecem, sendo então, necessário identificar esses medicamentos e substâncias tóxicas no corpo de larvas de insetos necrófagos que se alimentaram desses cadáveres contaminados.

Por outro lado certas substâncias, como o arseniato de chumbo o carbamato, impedem a colonização do cadáver por certos insetos necrófagos e a ausência destes é indicativa da presença dessas substâncias.

3. Intervalo post mortem (IPM). Na medicina legal uma das questões mais críticas reside em saber "Quando a morte se deu?". A determinação do intervalo post mortem é, freqüentemente, dada por patologistas e antropólogos forenses e, raramente um entomólogo. Normalmente, nos métodos tradicionais, o IPM e a sua estimativa são inversamente proporcionais, isto é, quanto maior for o IPM, menor é a possibilidade de acurada determinação. Porém, com auxílio de conhecimentos entomológicos, quanto maior o intervalo mais segura é a estimativa.

O método entomológico pode ser muito útil, sobretudo, com um tempo de morte superior a 3 dias. Das técnicas de cronotanatognose como relatório policial, necropsia, e entomológica, estatisticamente, a entomológica é a mais eficiente.

Para determinação do IPM duas abordagens principais são utilizadas. A primeira envolve a dependência da temperatura no desenvolvimento dos insetos (aplicado principalmente para dípteros) e a segunda reconhece que uma sucessão padronizada de artrópodes geralmente facilita a decomposição dos cadáveres (humanos ou não) ocorre, e que, pelo reconhecimento de como a fauna associada ao cadáver se relaciona ao padrão, uma estimativa do IPM pode ser feita.

Entomologia Forense e Biologia Molecular:

Há trabalhos avaliando a utilidade da "polymerase chain reaction -restriction fragment length polymorphism" (PCR-RFLP) na diferenciação de duas espécies de insetos de importância forense. Duas regiões específicas do DNA mitocondrial, a subunidade I da citocromo oxidase e a região de controle, foram amplificadas por PCR e cortadas por endonucleases de restrição. Os fragmentos gerados pelas endonucleases DraI e SspI permitiram diferenciar duas espécies de moscas do gênero Hemilucilia (Calliphoridae).

Este método pode ser uma ferramenta para os entomologistas forenses na determinação do intervalo post mortem porque permite identificação rápida a partir de qualquer estágio de desenvolvimento do inseto, não importando o estado de preservação do espécime (vivos ou mortos).

Atuação do Instituto Biológico:

O Instituto Biológico (IB-APTA), através do Laboratório de Entomologia Geral, tem atuado em Entomologia Forense na área Entomologia de Produtos Armazenados e Alimentos. Os laudos produzidos por pesquisadores do laboratório são utilizados para embasar ações judiciais de reclamações de consumidores junto à indústrias de alimentos.


As referências bibliográficas examinadas foram as seguintes: Byrd & Castner (2001) [Byrd, J. H. & J. L. Castner (eds.). 2001. Forensic entomology: the utility of arthropods in legal investigations. Boca Raton: CRC Press LLC, xvii + 418 p., 48 pls.], Gomes et al. (2006) [Gomes, L. & C. J. Von Zuben. 2006. Forensic entomology and main challenges in Brazil. Neotropical Entomology, Vacaria, 35 (1): 1-11.], Oliveira-Costa (2003) [Oliveira-Costa, J. 2003. Entomologia forense: quando os insetos são vestígios. Campinas: Editora Millennium Ltda., XVII + 257 p.] e Thyssen et al. (2005) [Thyssen, P. J.; A. C. Lessinger; A. M. L. Azeredo-Espin & A. X. Linhares. 2005. The value of PCR-RFLP molecular markers for the differentiation of immature stages of two necrophagous flies (Diptera: Calliphoridae) of potential forensic importance. Neotropical Entomology, Vacaria, 34 (4): 777-783.]. Caso haja necessidade de maiores informações elas poderão ser consultadas.




Fonte: Instituto Biológico São Paulo / SP